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segunda-feira, 30 de setembro de 2013

O Despertar da Juventude (Parte II)

O pioneirismo natalense na atual onda de protestos juvenis

Por: Hugo Martins de Souza*

A atual onda de protestos, que sacudiu o país nos meses de junho/julho de 2013 e que continua se processando de maneira menos intensa, tem como marco referencial os protestos popular-estudantis de 2011 ocorridos em Natal, capital do Rio grande do Norte, que deflagrou o movimento #ForaMicarla.
Não estamos (absolutamente!) afirmando que a recente onda de protestos (iniciadas em junho de 2013) originou-se nas mobilizações de 2011, em Natal. Se assim o fizesse estaríamos negando a própria história de luta do povo brasileiro, além de cair em contradição com o que afirmamos anteriormente – no primeiro capítulo (Parte I) de “O Despertar da Juventude”, intitulado “A luta pela redução dos preços das passagens dos transportes coletivos”, onde fazemos um resgate pontual de alguns dos momentos mais marcantes da trajetória de luta da juventude e do povo brasileiro contra o aumento das tarifas dos transportes coletivos.
Afirmamos (isto sim!), com plena convicção, que os acontecimentos de 2011, em Natal, fora, simplesmente, o prenúncio de uma nova era de luta dos movimentos sociais, caracterizada pelo uso dos novos e alternativos recursos técnico-informacionais e de comunicação.   As mídias sociais surgidas com o advento da internet (Twitter, Orkut, Facebook, blogs, YouTube, e-mail, entre outras) tiveram uma importância fundamental no sucesso das manifestações popular-juvenis de ocorridas em Natal, em 2011, como meios de comunicação social, divulgação, mobilização e convocação (em tempo real) dos protestos de rua, que marcaria a nova fase de acumulação de força dos movimentos sociais brasileiros.
A luta pelo impeachment da mandatária Micarla de Sousa (PV-RN), encampada pelo movimento #ForaMicarla, cresceu e se desenvolveu nas redes sociais, mas sua origem ocorrera no seio das lutas populares-estudantis deflagradas no inicio de 2011, contra o aumento abusivo no preço das passagens dos transportes coletivos urbanos (de R$ 2,00 para R$ 2,20), concedido pela Prefeitura Municipal de Natal, no dia 22 de janeiro, véspera do início das aulas quando os estudantes ainda se encontravam em férias, causando, como noutras ocasiões, protestos por parte da população natalense.

Porém, a insatisfação popular não se restringia meramente aos transportes coletivos. Havia problemas nas diversas áreas sociais (saúde e educação), na infraestrutura e mobilidade urbana, entre outros. A impopularidade da mandatária Micarla de Sousa, em função disso, atingia (em 2011) índices records de rejeição (em torno de 90%). A população sentia-se desamparada. Alguma coisa precisava ser feita no sentido de dá um basta naquela situação.
Nesse contexto, a luta contra o aumento abusivo no preço das passagens dos transportes coletivos urbanos, concedido pela administração municipal de Natal, se transformara no olho do furacão, catalisando e centralizando as insatisfações populares e demandas de luta dos movimentos sociais contra o atual estado de coisas. 
Uma das primeiras manifestações polares contra o aumento abusivo das tarifas dos transportes coletivos de 2011, em Natal, ocorreu no dia 23 de janeiro (dia seguinte ao aumento) quando estudantes, militantes partidários e sindicalistas realizaram um ato público na Praça Gentil Ferreira, no Alecrim, com caminhada pelas ruas do centro da cidade. Dias depois, na manhã do dia 09 de fevereiro, houve uma grande manifestação, organizada pelos movimentos sociais (estudantil-juvenis, sindicais, partidários) e setores populares espontâneos (ciclistas, sem partidos, populares, etc.), contra o aumento das passagens e pelo “passe livre” para estudantes, recebendo enorme apoio popular.
A resistência popular foi, aos poucos, absorvendo e incorporando em suas bandeiras de luta as demandas políticas e reivindicatórias dos movimentos sociais e a insatisfação popular diante da inoperância administrativa da gestão municipal, agravados pelas denuncias (de maio de 2011) de irregularidades nos contratos de aluguéis firmados pela Prefeitura Municipal de Natal (PMN).
As denuncias foram feitas pela vereadora Sargento Regina (PDT-RN) na Câmara Municipal de Natal, no mês de maio de 2011 (dia 22), através de um Requerimento, subscrito por oito vereadores da oposição, solicitando a criação de uma Comissão Especial de Inquérito (CEI) para investigar as possíveis irregularidades nos contratos de locação (aluguéis) de imóveis firmados pela PMN. A investigação, por parte do Ministério Público, das denuncias de irregularidades, ocorridas na Secretaria Municipal de Saúde, culminaria com o afastamento definitivo, em 31 de outubro de 2012, da chefa do Executivo municipal, Sra. Micarla de Sousa, pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJ-RN), através da chamada Operação Assepsia.
Porém, a crise política que causara a queda da prefeita de Natal deve-se a uma soma de fatores conjunturais de ordem política, administrativa, jurídica e social, desencadeados ao longo do governo Micarla de Sousa, chegando ao ápice, em 2011, quando as lutas protagonizadas pela juventude e pelos movimentos sociais, se intensificaram evoluindo para uma ação coordenada e unificada politicamente.
A construção da unidade política entre os diversos segmentos populares (organizados ou não) foi fundamental para o êxito do movimento contestatório desencadeado em 2011, em Natal, somente possível graças ao caráter democrático, plural, vertical, de autogestão e respeito à livre participação das minorias (não necessariamente partidárias) que compunham o movimento, consubstanciados no “Fora Micarla” – um dos mais importantes movimentos populares da história política norte-riograndense, assunto que, a propósito, abordaremos com mais detalhe na próxima matéria de “O Despertar de Juventude Brasileira” (Parte III).

Caicó/RN, 07 de Setembro de 2013.

* Hugo Martins é professor de Geografia do Ensino Fundamental e Médio e dirigente SINTE/RN – Regional de Caicó.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

O Despertar da Juventude (Parte I)

A luta pela redução dos preços das passagens dos transportes coletivos

Por: Hugo Martins de Souza*

A luta pela redução das tarifas do transporte coletivo é uma reivindicação antiga do povo brasileiro, pois incide diretamente sobre o custo e a qualidade de vida da população, sobretudo de baixa renda, que necessita desse tipo de serviço para se deslocar no interior das grandes cidades, ou seja, para exercer o “direito de ir e vir”.

No Brasil, um dos primeiros movimentos de protesto contra o aumento abusivo nos preços das tarifas dos transportes, que se tem notícia, ocorreu no Rio de Janeiro, então capital Imperial – a Revolta do Vintém (de 28 de dezembro de 1879 a 04 de janeiro do ano seguinte), protesto que, segundo consta, reuniu em torno de cinco mil pessoas protestando que clamavam as palavras de ardem “fora o vintém!” contra o aumento abusivo das passagens dos bondes. Os protestos foram marcados por conflitos que resultaram num quebra-quebra de bondes pela população indignada, arrancando-os dos trilhos e virando-os ao longo da Rua Uruguaiana, no Rio. Os confrontos e a forte repressão policial causaram a morte de pelo menos três manifestantes e cerca de 20 feridos, provocando ainda a queda de um ministro do Governo imperial e a revogação do aumento no preço das passagens.
Na imagem acima (F.1) temos um bonde à tração animal nas ruas do centro do Rio de Janeiro (capital do Império do Brasil), em 1879, Fonte: http://oglobo.globo.com/historia/

Em Natal, capital do Rio Grande do Norte, a tomada do poder pelos comunistas, durante a Insurreição de 1935 – levante armado deflagrado na noite do dia 23 de novembro se estendendo por toda madrugada e manhã do dia seguinte –, o Governo Popular Revolucionário, recém-empossado, determinou como uma de suas primeiras medidas, logo após consolidada a tomada da Capital pelos rebeldes, a imediata redução nos preços dos alimentos e das passagens dos bondes (de 50 para 20 Reis) que servia à população da cidade. Porém, após sofrer grande derrota nos combates às forças legalistas, reacionárias e contra-revolucionárias, na Serra do Doutor, nos enfrentamento com milícias fortemente armadas pela resistência conservadora coronelista seridoense, na madrugada do dia 27 de novembro chegava o fim a primeira experiência de governo popular-socialista em terras brasileiras.

Há anos que a juventude brasileira incorporou a questão da redução do preço das passagens em sua pauta de luta reivindicatória, sendo esta uma importante bandeira de luta do movimento estudantil ao longo de sua história.

Em maio de 1956, ocorreram manifestações estudantis de protesto contra o aumento no preço das passagens dos bondes no Rio de Janeiro, Capital Federal, convocadas pela União Nacional dos Estudantes (UNE). O movimento recebeu o apoio popular e adesão de trabalhadores e sindicatos, aliança estudantil-operária criadora do movimento conta à carestia.  Os estudantes foram reprimidos com violência pela policia carioca que solicitou reforços do Exército para combatê-los, causando a morte de uma pessoa. A sede da UNE, localizada na Praia do Flamengo, foi invadida e houve prisões de lideranças estudantis. Após uma semana de intensas manifestações, protestos e confrontos, o Presidente JK convidou as lideranças estudantis a negociar uma solução ao impasse.

Em 1958, em são Paulo, noutro movimento de protesto contra o aumento abusivo das passagens de ônibus e bondes, a truculenta repressão policial causaria a morte mais de quatro manifestantes e dezenas de feridos.
Nas imagens acima, temos momentos diferentes dos protestos estudantis cariocas e paulistas, respectivamente, onde a juventude indigna-se, sai às ruas e protesta contra o aumento abusivo das passagens dos transportes coletivos. Na primeira (F.2), vemos estudantes cariocas dançando sobre os trilhos da estação de bondes, nas manifestações estudantis de maio de 1936; e, na segunda (F.3), temos estudantes paulistas realizando ato público no centro da cidade, em 30 de novembro de 1958. Fonte: http://acervo.estadao.com.br/noticia.

Em 1979, ainda sob a Ditadura Militar, após três aumentos consecutivos no preço das passagens de ônibus, pela Prefeitura de São Luís (MA), estudantes secundaristas e universitários travaram uma ousada e obstinada luta contra o aumento abusivo das tarifas, reivindicando o direito à meia passagem nos transportes coletivos, movimento que ficou conhecido como a Greve da Meia-Passagem (ou Greve de 1979), ocorrido no período de 14 a 22 de setembro daquele ano.  O movimento foi marcado por forte adesão estudantil e popular, com manifestações de ruas (atos, assembleias, passeatas, confrontos) e pela truculenta repressão policial. Felizmente os estudantes maranhenses saíram vitoriosos, conquistando, pioneiramente no Brasil, o benefício da meia passagem.

A coragem e ousadia da juventude maranhense na memorável Greve de 1979 simbolizam, não apenas um marco importante na história de luta do movimento estudantil, mas, sobretudo, a retomada das ruas pelo povo brasileiro, reprimido e massacrado por anos de Ditadura. Foi o princípio do fim do decadente regime militar que se manteve no poder pela força das baionetas, perseguições, cassações, torturas, mortes e desaparecimentos políticos de lideranças políticas e estudantis. Foi “a ponta de lança da luta pelo fim do regime dos generais.”
(http://maxsuelubes.blogspot.com.br/2010).  

 Acima, dois momentos importantes da Greve de 1979, em São Luís do Maranhão: Na primeira imagem (F.4) vemos estudantes maranhenses e populares em passeata nas ruas de São Luís; e, na segunda (F.5), temos uma imagem impressionante do acirramento da luta, dos enfrentamentos e da radicalização do levante popular-estudantil.


Com o fim da Ditadura, as organizações e entidades juvenil-estudantis (UNE, UBES, DCEs, Grêmios, UJS, dentre outras) retomaram a luta pela conquista do direito a meia-entrada em eventos culturais, desportivos e de lazer, e da meia passagem nos transportes urbanos, intermunicipais e interestaduais, bandeiras de luta parcialmente incorporadas ao recém-sancionado Estatuto da Juventude (Projeto de Lei sancionado no dia 05 de agosto último, pela presidenta Dilma Rousseff, após nove anos de tramitação no Congresso Nacional), tendo em vista o veto presidencial ao artigo que garantia o direito à meia passagem no transporte coletivo interestadual para jovens entre 15 e 29 anos. Recentemente, a partir dos protestos juvenis de junho (de 2013), tem ganhado força a proposta de luta pela conquista do passe livre para estudantes nos transportes coletivos.

Nas últimas duas décadas, inúmeras manifestações populares (estudantil-juvenis) de protesto ocorreram em todo país, organizadas pelo movimento estudantil e/ou entidades juvenis, seja contra os frequentes aumentos abusivos nos preços das passagens, seja pela ampliação dos direitos (à meia-passagem e ao passe-livre), dentre as quais, destacamos: os protestos e paralizações ocorridos em Salvador (BA), em 2001 (conhecidos como a Revolta do Buzu); os protestos em Florianópolis (SC), em 2004 e 2005 (a Revolta das Catracas); as manifestações de protestos e ocupações ocorridas em Natal (RN), em 2011 (o “Fora Micarla”), entre outras –, precursoras da recente onda de protestos da juventude brasileira, em curso, assunto que abordaremos no próximo capítulo de “O Despertar da Juventude Brasileira” (Parte II).

Caicó/RN, 14 de agosto de 2013.


*Hugo Martins de Souza, presidiu a União Estudantil de Caicó (UEC) no início da década de 1990, onde organizou atos públicos e manifestações locais de protesto pelo “Fora Collor”. Atualmente é Professor de Geografia, do Ensino Fundamental e Médio, atuando no movimento sindical no SINTE/RN, desde 2003.