“Da inércia para o movimento basta um pulo”
Por:
Hugo Martins de Souza*
Com
estas belas palavras, extraídas de um manifesto do movimento #ForaMicarla, publicado no dia 17 de
junho, continuemos nossa análise sobre a vitoriosa luta travada pela juventude
potiguar natalense, em 2011.
As
manobras políticas da bancada governista na Câmara Municipal de Natal (CMN),
referentes à composição da Comissão Especial de Inquérito (CEI) criada, em maio
de 2011, para apurar denuncias de irregularidades nos contratos de locação de
imóveis firmados pela Prefeitura Municipal de Natal (PMN), contribuiu para
aumentar, ainda mais, o clima de insatisfação popular e, consequentemente, o
acirramento da luta juvenil nos embates de rua e nas redes sociais. Paralelo a
isso, em âmbito estadual, o Governo Rosalba Ciarlini (DEM-RN) enfrentava, há menos
de seis meses no poder, uma das maiores ondas de paralizações da história política
potiguar, com 14 categorias em greve. O Estado do RN encontrava-se paralisado.
A
partir de então, a luta popular na capital potiguar ganharia novo impulso com a
dinâmica impingida pelo movimento #ForaMicarla
que se articulara e se propagara nas redes sociais disponíveis na internet (no
Twitter, principalmente, e nas comunidades do Orkut, no Facebook, nos blogs, no
YouTube, entre outras) de forma independente, reivindicando o impeachment da prefeita Micarla de
Sousa, embates que logo sairia do campo virtual e ganharia as ruas de Natal.
A
primeira grande manifestação do #ForaMicarla
ocorrera no início da noite do dia 25 de maio de 2011, onde cerca de dois mil
manifestantes (em sua maioria jovens estudantes universitários e secundaristas)
ocuparam as ruas principais da capital potiguar – cruzamento da Av. Senador
Salgado Filho com a Av. Bernardo Vieira (defronte ao Shopping Center Midway) –, conduzindo faixas, cartazes, bandeiras,
promovendo apitaços e entoando palavras de ordens (como "O povo está na rua, Micarla a culpa e sua!"...), recebendo o apoio popular, expresso nos constantes buzinaços dos veículos que trafegavam nas avenidas opostas. A
manifestação encerrara por volta das 20h debaixo de chuva, quando os
manifestantes seguiram da Av. Salgado Filho até a Prudente de Morais concentrando-se
em frente ao Hiper Bom Preço.
O segundo ato público
do #Fora Micarla reuniu cerca de duas
mil pessoas na noite do dia 1º de junho, saindo das imediações do Condenadão (denominação dada ao estádio
Machadão, prestes a ser demolido para copa de 2014), paralisando a BR 101 e Av.
Engenheiro Roberto Freire, indo até as imediações do Praia Shopping, em Ponta Negra.
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F.1 - Ocupação da BR 101 em 1º de junho de 2011 |
A
terceira, e mais importante manifestação, foi realizada numa manhã chuvosa do
dia 7 de junho, onde cerca de 200 manifestantes saíram com determinação da
Praça Cívica, em Petrópolis, em caminhada entoando palavras de ordens (“mãos ao alto dois e vinte é um assalto...,
iii Fora!”, “Quem não pula quer
Micarla”...) pelas ruas principais do centro histórico da cidade com
destino ao Palácio Felipe Camarão, na cidade Alta. Diante da sede da Prefeitura
Municipal de Natal (PMN) os manifestantes do movimento #ForaMicarla foram
impedidos pela Guarda Municipal de adentrar no prédio. Daí, então, saíram com entusiasmo,
ousadia e determinação rumo ao Palácio
Padre Miguelino, sede da Câmara Municipal de Natal (CMN), no Tirou, pedindo a
instalação da CEI dos Contratos
superfaturados e o “impetchment” da
prefeita Micarla.
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Dois momentos importantes da manifestação do dia 07/06/2011:
F.2 - Protesto diante da sede da PMN e F.3 - Ocupação da CMN |
Chegando
à sede do Legislativo municipal a juventude decide então pela sua ocupação por
tempo indeterminado - uma das mais bem-sucedidas estratégias de resistência
popular da história política norte-riograndense –, como forma de pressionar e
cobrar dos parlamentares o funcionamento da CEI
dos aluguéis, atitude que, dois anos depois (em 2013) seria utilizada pelos
movimentos populares país a fora.
Por
onze dias (de 07 a
17 de janeiro de
2011) a Câmara Municipal de Natal mantivera-se ocupada, servindo de
abrigo à mocada natalense amotinada. A juventude indignada protagonizara um
enclave, montando ali seu quartel-general de campana, sua trincheira de luta,
seu acampamento, por eles batizando sarcasticamente de “primavera sem borboleta” – “primavera”, em alusão ao levante
pacífico da juventude nos países do Norte da África e Oriente Médio, que se
processava (denominado “Primavera Árabe”
pela imprensa burguesa); e “borboleta”
porque tal inseto fora sido utilizado como símbolo da campanha eleitoral (de
2008) da então candidata Micarla de Sousa.
Os
estudantes abdicaram ao aconchego do lar e à rotina escolar a aventura-se no
convívio coletivo e solidário d@s companheir@s, lançando-se de corpo e alma à
responsabilidade histórica de conduzir os destinos de seu povo, dividindo o
mesmo chão, o mesmo pão e compartilhando as mesmas esperanças; superando o
individualismo, o egoísmo e o consumismo; combatendo inimigos poderosos e cultivando
a esperança; compreendendo na plenitude o significado real de solidariedade,
fraternidade e abnegação; renunciando às diferenças (político-ideológicas),
fortalecendo-se mutuamente no exercício pleno do companheirismo e extravasando,
juntos, um grito de vitória.
Os
embates políticos travados nas jornadas juvenis de junho de 2011, em Natal, se
radicalizariam, ainda mais, quando, no terceiro dia de ocupação da CMN (dia 10
de junho), o presidente daquela Casa Legislativa, vereador Edivan Martins (PV-RN),
determinou a extinção da CEI dos
contratos. Tal atitude arbitrária contribuíra para aumentar a indignação e
a determinação, por parte da juventude, em manter a ocupação a qualquer custo.
É
certo que a juventude sublevada sofrera pressões de toda sorte, desde ações
judiciais pedindo a desocupação da Câmara Municipal, a ameaças recorrentes do
uso da força policial para evacuar o recinto. Mas, o apoio popular e a
solidariedade dos movimentos sociais reforçaria a determinação obstinada da
juventude em resistir até o fim. O apoio
espiritual (as palavras de apoio, as felicitações e os incentivos), o auxílio
material (em alimentos) e o imprescindível assessoramento jurídico, recebidos
durante todo o processo de ocupação, foram de fundamentais!
Uma
página inesquecível dessa luta ocorrera no dia 09 de junho quando o Superior
Tribunal de Justiça (STJ) concedera um Habeas Corpus assegurando a permanência
da ocupação e revogando a ordem judicial de desocupação do prédio. O anuncio da
conquista soou como vitória parcial da resistência comemorada e festejada numa explosão
de alegria coletiva pela juventude amotinada. Nos quatro cantos da cidade
ecoava-se o coro patriótico da juventude insurgente entoando a toque de
tambores o Hino Nacional brasileiro, momento ímpar de felicidade coletiva sem
igual que para sempre ficará marcado na memória da galera.
A
moçada guerreira que ocupara o prédio da CMN permaneceria ali amotinada por
vários dias, num ambiente fecundo de fraternidade, democracia, respeito,
solidariedade e luta, afirmando ser “possível
chegar longe através de uma ação política pacífica, plural, não-violenta,
democrática, horizontal e autogestionada” (Movimento #ForaMicarla, junho de
2011), até que, numa histórica sexta-feira (17), com a mediação da OAB,
selava-se o tão almejado acordo que solucionaria o impasse, segundo o qual o movimento
se comprometeria com a desocupação do prédio em troca da criação de uma nova CEI dos Contratos superfaturados.
Os estudantes
natalenses que participaram do Coletivo “#ForaMicarla”,
dada à conjuntura histórica favorável e em sintonia com a onda mundial de
protestos juvenis que se processava, empunharam sem tergiversar a bandeira de
luta e foram às ruas, prenuncio do levante juvenil de 2013 que sacudiria o país
mais uma vez, pioneirismo compartilhado ao
concomitante movimento de protesto juvenil que se processava simultaneamente no
Norte da África e Oriente Médio (iniciados na passagem 2010/2011), atingindo a
velha Europa (entre maio/junho de 2011) e que, como um relâmpago, transporia o Atlântico
e chegaria ao Novo Mundo, primeiramente ao Chile (em junho) e dias depois aos
Estados Unidos (em setembro/outubro), assunto que abordaremos com detalhes no
próximo capítulo de “O Despertar da
Juventude (parte III).”
Caicó/RN, 1° de
outubro de 2013.
*
Hugo Martins é professor do Ensino Fundamental e Médio, dirigente sindical e
militante dos movimentos sociais.