Por vezes, fico imaginando uma resposta para a função dos pais na educação de um ser. Não do pai e da mãe. Dos pais mesmo. Pais, plural de pai. Não pais como coletivo de pai e mãe.
Estudos, sobretudo freudianos, sugerem que o pai está para a determinação da intelectualidade do filho, assim como a mussarela está para a pizza, ou o molho de tomate para a macarronada. O que tem de novo (ou aparentemente novo) é a constatação de que o nível intelectual do pai revelará o nível intelectual do filho. Note-se: estou falando, aqui, de intelectualidade, e não de inteligência.
Assim, ao olharmos um aluno, precisamos nos perguntar quem são seus pais. Pai e mãe, mas, no caso desta reflexão, exclusivamente os pais. Não é machismo, não. É metodologia científica. Sabemos que tudo afeta tudo. Pai afeta a mãe que afeta o filho. Filho afeta o pai que afeta a mãe. Mãe afeta o filho que afeta o pai. Tudo indo e vindo. Para o bem e para o mal. Mas, nós, pesquisadores e pensadores da educação, precisamos isolar para juntar.
Seguimos em frente e uma pré-conclusão precisa ser exposta: um aluno sentado na cadeira da sala de aula já é um resultado; ele vai para a aula e leva o livro de Matemática, estojo, a apostila de História e o pai. Não imaginemos que todos são iguais e aprenderão igualmente. Isso, parece, já sabemos. Mas às vezes, por mais óbvio e lógico que isto possa parecer, esquecemos dessa regra fundamental: somos diferentes porque somos resultados de processos diferentes. E quem é o pai que contribui para o processo de um aluno que nos desafia, incomoda ou que nos acomoda?
Filhos são desafiados pelos pais no plano intelectual e isso será decisivo e decisório para o filho decidir se intelectualizar cada vez mais ou largar a escola. “Quero ser melhor que meu pai”, e lá vai o menino rumo à intelectualidade sem fim. “Nunca serei melhor que meu pai”, e lá vai o aluno para o fim do fundo do poço da escola, e se torna um rebelde, um estranho no ninho de casa e da escola. Claro que isso acontece subliminarmente, sem escândalo visível, no inconsciente.
Porém, empiricamente, só posso falar com propriedade de um pai que conheci bem: o meu. Das lembranças de infância que carrego, uma delas me aparece sempre sensível: como meu pai me ensinou a amar as palavras. Ao final da tarde, depois de chegar da escola, eu sentava no colo de meu pai. Sentava, na verdade, em uma das pernas dele. Minhas pernas não tocavam o chão. Isso tudo acontecia na mesa da cozinha. Uma mesa vermelha e redonda. Sentado à cadeira, meu pai me faz lembrar, hoje, o Pensador de Rodin. Eu estava no colo do Pensador. A mesa limpa. Apenas nossos instrumentos de trabalho sobre a mesa limpa: um dicionário, caderno e um lápis. Eu e ele a postos para começar a brincadeira, vinha a primeira palavra. Meu pai escolhia uma palavra difícil, incomum, que ele conhecia, mas eu não. Então ele escrevia, com linda letra, a palavra no caderno. Escrevia a palavra na página branca e colocava um sinal de igual na frente. Então, calmamente, eu abria o dicionário e procurava o significado daquela palavra e escrevia no caderno. Não só aprendi uma infinidade de palavras, mas também aprendi a ter afinidade com as palavras. O que para muitas crianças poderia ser uma tortura, era, para mim, um prazer. Um jogo que apenas eu e ele sabíamos jogar e que ninguém mais poderia se intrometer. É verdade que minha mãe passava às vezes, para cuidar dos afazeres da cozinha, mas não interrompia a brincadeira, a atividade, a aula. Aula com amor. Amor de pai com cara de aula.
Textos acontecem quando estão prontos dentro da gente. A maturidade de um texto é uma maturidade que vem do ser. Ser e escrever: somos resultados de nossa maturidade intelectual e de vida regada por palavras. Somos resultados de nossas provocações. Crescemos a cada estímulo proposto. Fermentamos nosso pensamento a cada palavra nova. A cada ideia nova, um novo pensamento, uma nova palavra. O músculo do braço só cresce quando levamos o braço para um passeio na academia. Só passamos a saber mais, a duvidar mais, a crer mais, quando somos provocados. Nem crer em tudo, nem duvidar de tudo. Mas sempre crescendo. Pais que falam palavrões criarão crianças que não falam sequer palavras. Pais que ensinam seus filhos a trabalhar com as palavras tornarão alunos em malabaristas de palavras, contorcionistas de pensamentos, mágicos de ideias. Pais melhores, alunos melhores.
Artigo publicado na revista Profissão Mestre de agosto de 2010.
César Augusto Dionízio -
Estudos, sobretudo freudianos, sugerem que o pai está para a determinação da intelectualidade do filho, assim como a mussarela está para a pizza, ou o molho de tomate para a macarronada. O que tem de novo (ou aparentemente novo) é a constatação de que o nível intelectual do pai revelará o nível intelectual do filho. Note-se: estou falando, aqui, de intelectualidade, e não de inteligência.
Assim, ao olharmos um aluno, precisamos nos perguntar quem são seus pais. Pai e mãe, mas, no caso desta reflexão, exclusivamente os pais. Não é machismo, não. É metodologia científica. Sabemos que tudo afeta tudo. Pai afeta a mãe que afeta o filho. Filho afeta o pai que afeta a mãe. Mãe afeta o filho que afeta o pai. Tudo indo e vindo. Para o bem e para o mal. Mas, nós, pesquisadores e pensadores da educação, precisamos isolar para juntar.
Seguimos em frente e uma pré-conclusão precisa ser exposta: um aluno sentado na cadeira da sala de aula já é um resultado; ele vai para a aula e leva o livro de Matemática, estojo, a apostila de História e o pai. Não imaginemos que todos são iguais e aprenderão igualmente. Isso, parece, já sabemos. Mas às vezes, por mais óbvio e lógico que isto possa parecer, esquecemos dessa regra fundamental: somos diferentes porque somos resultados de processos diferentes. E quem é o pai que contribui para o processo de um aluno que nos desafia, incomoda ou que nos acomoda?
Filhos são desafiados pelos pais no plano intelectual e isso será decisivo e decisório para o filho decidir se intelectualizar cada vez mais ou largar a escola. “Quero ser melhor que meu pai”, e lá vai o menino rumo à intelectualidade sem fim. “Nunca serei melhor que meu pai”, e lá vai o aluno para o fim do fundo do poço da escola, e se torna um rebelde, um estranho no ninho de casa e da escola. Claro que isso acontece subliminarmente, sem escândalo visível, no inconsciente.
Porém, empiricamente, só posso falar com propriedade de um pai que conheci bem: o meu. Das lembranças de infância que carrego, uma delas me aparece sempre sensível: como meu pai me ensinou a amar as palavras. Ao final da tarde, depois de chegar da escola, eu sentava no colo de meu pai. Sentava, na verdade, em uma das pernas dele. Minhas pernas não tocavam o chão. Isso tudo acontecia na mesa da cozinha. Uma mesa vermelha e redonda. Sentado à cadeira, meu pai me faz lembrar, hoje, o Pensador de Rodin. Eu estava no colo do Pensador. A mesa limpa. Apenas nossos instrumentos de trabalho sobre a mesa limpa: um dicionário, caderno e um lápis. Eu e ele a postos para começar a brincadeira, vinha a primeira palavra. Meu pai escolhia uma palavra difícil, incomum, que ele conhecia, mas eu não. Então ele escrevia, com linda letra, a palavra no caderno. Escrevia a palavra na página branca e colocava um sinal de igual na frente. Então, calmamente, eu abria o dicionário e procurava o significado daquela palavra e escrevia no caderno. Não só aprendi uma infinidade de palavras, mas também aprendi a ter afinidade com as palavras. O que para muitas crianças poderia ser uma tortura, era, para mim, um prazer. Um jogo que apenas eu e ele sabíamos jogar e que ninguém mais poderia se intrometer. É verdade que minha mãe passava às vezes, para cuidar dos afazeres da cozinha, mas não interrompia a brincadeira, a atividade, a aula. Aula com amor. Amor de pai com cara de aula.
Textos acontecem quando estão prontos dentro da gente. A maturidade de um texto é uma maturidade que vem do ser. Ser e escrever: somos resultados de nossa maturidade intelectual e de vida regada por palavras. Somos resultados de nossas provocações. Crescemos a cada estímulo proposto. Fermentamos nosso pensamento a cada palavra nova. A cada ideia nova, um novo pensamento, uma nova palavra. O músculo do braço só cresce quando levamos o braço para um passeio na academia. Só passamos a saber mais, a duvidar mais, a crer mais, quando somos provocados. Nem crer em tudo, nem duvidar de tudo. Mas sempre crescendo. Pais que falam palavrões criarão crianças que não falam sequer palavras. Pais que ensinam seus filhos a trabalhar com as palavras tornarão alunos em malabaristas de palavras, contorcionistas de pensamentos, mágicos de ideias. Pais melhores, alunos melhores.
Artigo publicado na revista Profissão Mestre de agosto de 2010.
César Augusto Dionízio -
Economista e Professor e autor do livro Mais Textos: uma visão sobre a Educacão
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