Quem acompanha o noticiário político do Brasil atual pode pensar que nunca na história houve tanta corrupção e que o problema é típico deste país, senão exclusivo. Não é o caso, como se pode demonstrar a partir de relatórios internacionais sobre o assunto. Também não é verdade que todo político seja corrupto: há exceções.
É muito importante tomar cuidado com as generalizações apressadas, pois elas impedem que se conheça uma questão a fundo. Conhecer é sempre o primeiro passo para a solução de um problema. Portanto, para começar uma reflexão sobre o tema, vale a pena estabelecer o significado preciso do termo corrupção.
Para isso, pode-se recorrer ao primoroso "Dicionário de Política", dos italianos Norberto Bobbio, Nicola Matteuci e Gianfranco Pasquino, três grandes juristas e filósofos. Em seu verbete sobre corrupção, está escrito:
"Fenômeno pelo qual um funcionário público é levado a agir de modo diverso dos padrões normativos do sistema, favorecendo interesses particulares em troco de recompensa. Corrupto é, portanto, o comportamento ilegal de quem desempenha um papel na estrutura estatal".
Ilegal, mais do que imoral
Antes de prosseguir, alguns esclarecimentos: na categoria "funcionário público" incluem-se os políticos, magistrados e governantes. Em segundo lugar, vale dar destaque à expressão "estrutura estatal": não se está falando da sociedade civil, de empresas privadas, mas da máquina do governo. Finalmente, é importante não perder de vista o caráter "ilegal" da corrupção.
Tratam-se de atos que contrariam a lei e que se incluem na esfera criminal, independentemente da questão moral. Isso talvez explique o fato de que toda aquela retórica sobre ética na política nunca tenha dado resultados no Brasil, revelando-se um discurso vazio e oportunista, destinado a angariar votos e desviar a atenção da opinião pública.
Pois bem, se corrupção é crime, convém lembrar que as práticas criminosas podem ser tipificadas. Em outras palavras, existem categorias de atos corruptos, das quais as mais comuns são:
a) Suborno ou propina, ou seja, a compra de favores de um funcionário público. É o caso de uma cervejinha paga ao guarda para se livrar de uma multa de trânsito, mas pode se manifestar de maneiras mais graves e sutis, como o oferecimento de presentes valiosos para criar uma relação de companheirismo com autoridades. Assim, no momento necessário, pode-se abordar o presenteado, solicitando qualquer tipo de favor.
b) Nepotismo: concessão de empregos ou contratos públicos baseada não em mérito, mas em relações de parentesco. Trata-se de uma prática generalizada - historicamente - no Brasil. Por sinal, vale a pena observar: segundo pesquisa do Ibope em 2006, ela está de tal modo arraigada em nossa cultura, que 69% da população chega a considerá-la "natural" e positiva, pela percepção de que é um dever ajudar os familiares.
c) Peculato, isto é, desvio ou apropriação de recursos públicos. O exemplo clássico, neste caso, pode ser o do superfaturamento em compras ou obras estatais. O dinheiro excedente vai beneficiar os servidores envolvidos no processo, garantindo-lhes o enriquecimento ou a manutenção no poder, por meio do financiamento de suas campanhas eleitorais.
Um exercício proveitoso para o leitor seria encontrar exemplos dos três delitos seja no município ou no Estado onde mora, seja no âmbito nacional. Caso você se entregue a essa tarefa, não vai demorar a perceber que existem duas pontas na prática da corrupção. Elas se evidenciam mais claramente no caso da propina, onde é evidente a existência de uma transação ou troca entre quem corrompe (o corruptor) e quem se deixa corromper (o corrupto).
Os corruptos e os corruptores
Na história recente do país, a corrupção tem sido freqüentemente flagrada e exposta pelas autoridades policiais nos três poderes e alguns corruptos têm ido parar na cadeia, mas o mesmo não ocorre com os corruptores que, na maioria das vezes, conseguem se manter no anonimato.
Quer um exemplo? Tornou-se mais do que conhecido o nome do juiz Nicolau dos Santos Neto - o Lalau - que se beneficiou do superfaturamento nas obras do Tribunal Regional do Trabalho, em São Paulo. No entanto, alguém saberia dizer de imediato de quem era o dinheiro que ele adquiriu com a falcatrua?
Sem punição
Mais do que anônimos, os corruptores conseguem quase sempre escapar impunes. Aliás, a impunidade, com certeza, é uma das causas mais diretas da corrupção. Ter como certo que as possibilidades de responder pelo ato praticado são pequenas é quase um convite ao crime.
As causas da impunidade são muitas e complexas: entre elas, podem-se citar a morosidade da Justiça e a legislação inadequada ou complacente com este tipo de crime. Sem falar na própria corrupção, pois não são raros os casos em que um réu consegue comprar uma sentença que o beneficia e o transforma em inocente.
Além disso, não se pode esquecer o corporativismo, isto é, o fato de uma categoria profissional proteger os membros dessa mesma categoria, caso eles sejam flagrados na prática de um crime. Em 1994, no escândalo conhecido como o dos anões do Orçamento, de 17 deputados acusados de corrupção, sete foram inocentados pela Câmara.
Contudo, no que se refere à corrupção política, o corporativismo tem tido sua atuação atenuada, na medida em que surgiram organizações não-governamentais que fazem denúncias e acompanham processos, como a Transparência Internacional e a Transparência Brasil.
Fonte: *Antonio Carlos Olivieri é escritor, jornalista e diretor da Página 3 Pedagogia & Comunicação. olivieri@pagina3ped.com
É muito importante tomar cuidado com as generalizações apressadas, pois elas impedem que se conheça uma questão a fundo. Conhecer é sempre o primeiro passo para a solução de um problema. Portanto, para começar uma reflexão sobre o tema, vale a pena estabelecer o significado preciso do termo corrupção.
Para isso, pode-se recorrer ao primoroso "Dicionário de Política", dos italianos Norberto Bobbio, Nicola Matteuci e Gianfranco Pasquino, três grandes juristas e filósofos. Em seu verbete sobre corrupção, está escrito:
"Fenômeno pelo qual um funcionário público é levado a agir de modo diverso dos padrões normativos do sistema, favorecendo interesses particulares em troco de recompensa. Corrupto é, portanto, o comportamento ilegal de quem desempenha um papel na estrutura estatal".
Ilegal, mais do que imoral
Antes de prosseguir, alguns esclarecimentos: na categoria "funcionário público" incluem-se os políticos, magistrados e governantes. Em segundo lugar, vale dar destaque à expressão "estrutura estatal": não se está falando da sociedade civil, de empresas privadas, mas da máquina do governo. Finalmente, é importante não perder de vista o caráter "ilegal" da corrupção.
Tratam-se de atos que contrariam a lei e que se incluem na esfera criminal, independentemente da questão moral. Isso talvez explique o fato de que toda aquela retórica sobre ética na política nunca tenha dado resultados no Brasil, revelando-se um discurso vazio e oportunista, destinado a angariar votos e desviar a atenção da opinião pública.
Pois bem, se corrupção é crime, convém lembrar que as práticas criminosas podem ser tipificadas. Em outras palavras, existem categorias de atos corruptos, das quais as mais comuns são:
a) Suborno ou propina, ou seja, a compra de favores de um funcionário público. É o caso de uma cervejinha paga ao guarda para se livrar de uma multa de trânsito, mas pode se manifestar de maneiras mais graves e sutis, como o oferecimento de presentes valiosos para criar uma relação de companheirismo com autoridades. Assim, no momento necessário, pode-se abordar o presenteado, solicitando qualquer tipo de favor.
b) Nepotismo: concessão de empregos ou contratos públicos baseada não em mérito, mas em relações de parentesco. Trata-se de uma prática generalizada - historicamente - no Brasil. Por sinal, vale a pena observar: segundo pesquisa do Ibope em 2006, ela está de tal modo arraigada em nossa cultura, que 69% da população chega a considerá-la "natural" e positiva, pela percepção de que é um dever ajudar os familiares.
c) Peculato, isto é, desvio ou apropriação de recursos públicos. O exemplo clássico, neste caso, pode ser o do superfaturamento em compras ou obras estatais. O dinheiro excedente vai beneficiar os servidores envolvidos no processo, garantindo-lhes o enriquecimento ou a manutenção no poder, por meio do financiamento de suas campanhas eleitorais.
Um exercício proveitoso para o leitor seria encontrar exemplos dos três delitos seja no município ou no Estado onde mora, seja no âmbito nacional. Caso você se entregue a essa tarefa, não vai demorar a perceber que existem duas pontas na prática da corrupção. Elas se evidenciam mais claramente no caso da propina, onde é evidente a existência de uma transação ou troca entre quem corrompe (o corruptor) e quem se deixa corromper (o corrupto).
Os corruptos e os corruptores
Na história recente do país, a corrupção tem sido freqüentemente flagrada e exposta pelas autoridades policiais nos três poderes e alguns corruptos têm ido parar na cadeia, mas o mesmo não ocorre com os corruptores que, na maioria das vezes, conseguem se manter no anonimato.
Quer um exemplo? Tornou-se mais do que conhecido o nome do juiz Nicolau dos Santos Neto - o Lalau - que se beneficiou do superfaturamento nas obras do Tribunal Regional do Trabalho, em São Paulo. No entanto, alguém saberia dizer de imediato de quem era o dinheiro que ele adquiriu com a falcatrua?
Sem punição
Mais do que anônimos, os corruptores conseguem quase sempre escapar impunes. Aliás, a impunidade, com certeza, é uma das causas mais diretas da corrupção. Ter como certo que as possibilidades de responder pelo ato praticado são pequenas é quase um convite ao crime.
As causas da impunidade são muitas e complexas: entre elas, podem-se citar a morosidade da Justiça e a legislação inadequada ou complacente com este tipo de crime. Sem falar na própria corrupção, pois não são raros os casos em que um réu consegue comprar uma sentença que o beneficia e o transforma em inocente.
Além disso, não se pode esquecer o corporativismo, isto é, o fato de uma categoria profissional proteger os membros dessa mesma categoria, caso eles sejam flagrados na prática de um crime. Em 1994, no escândalo conhecido como o dos anões do Orçamento, de 17 deputados acusados de corrupção, sete foram inocentados pela Câmara.
Contudo, no que se refere à corrupção política, o corporativismo tem tido sua atuação atenuada, na medida em que surgiram organizações não-governamentais que fazem denúncias e acompanham processos, como a Transparência Internacional e a Transparência Brasil.
Fonte: *Antonio Carlos Olivieri é escritor, jornalista e diretor da Página 3 Pedagogia & Comunicação. olivieri@pagina3ped.com
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