Já
pouca Palestina resta. Pouco a pouco, Israel está a apagá-la do mapa!
"Desde 1948, os palestinianos vivem
condenados à humilhação perpétua. Não podem sequer respirar sem autorização.
Têm perdido a sua pátria, as suas terras, a sua água, a sua liberdade, tudo.
Nem sequer têm direito a eleger os seus governantes."
Por Eduardo Galeano*
(20/07/2014)
Para justificar-se,
o terrorismo de Estado fabrica terroristas: semeia ódio e colhe álibis. Tudo
indica que esta carnificina de Gaza, que segundo os seus autores quer acabar
com os terroristas, conseguirá multiplicá-los.
Desde 1948, os
palestinianos vivem condenados à humilhação perpétua. Não podem nem sequer
respirar sem autorização. Têm perdido a sua pátria, as suas terras, a sua água,
a sua liberdade, tudo. Nem sequer têm direito a eleger os seus governantes.
Quando votam em quem não devem votar, são castigados. Gaza está a ser
castigada. Converteu-se numa ratoeira sem saída, desde que o Hamas ganhou legitimamente
as eleições em 2006. Algo parecido ocorreu em 1932, quando o Partido Comunista
triunfou nas eleições de El Salvador.
Banhados em sangue,
os habitantes de El Salvador expiaram a sua má conduta e desde então viveram
submetidos a ditaduras militares. A democracia é um luxo que nem todos merecem.
São filhos da impotência os rockets caseiros que os militantes do Hamas,
encurralados em Gaza, disparam com desleixada pontaria sobre as terras que
tinham sido palestinianas e que a ocupação israelita usurpou. E o desespero, à
orla da loucura suicida, é a mãe das ameaças que negam o direito à existência
de Israel, gritos sem nenhuma eficácia, enquanto a muito eficaz guerra de
extermínio está a negar, desde há muitos anos, o direito à existência da
Palestina. Já pouca Palestina resta. Pouco a pouco, Israel está a apagá-la do
mapa.
Os colonos invadem,
e, depois deles, os soldados vão corrigindo a fronteira. As balas sacralizam o
despojo, em legítima defesa. Não há guerra agressiva que não diga ser guerra
defensiva. Hitler invadiu a Polónia para evitar que a Polónia invadisse a
Alemanha. Bush invadiu o Iraque para evitar que o Iraque invadisse o mundo. Em
cada uma das suas guerras defensivas, Israel engoliu outro pedaço da Palestina,
e os almoços continuam. O repasto justifica-se pelos títulos de propriedade que
a Bíblia outorgou, pelos dois mil anos de perseguição que o povo judeu sofreu,
e pelo pânico que geram os palestinianos à espreita.
Israel é o país que jamais
cumpre as recomendações nem as resoluções das Nações Unidas, o que nunca acata
as sentenças dos tribunais internacionais, o que escarnece das leis
internacionais, e é também o único país que tem legalizado a tortura de
prisioneiros. Quem lhe presenteou o direito de negar todos os direitos? De onde
vem a impunidade com que Israel está a executar a matança em Gaza? O governo
espanhol não pôde bombardear impunemente o País Basco para acabar com a ETA,
nem o governo britânico pôde arrasar a Irlanda para liquidar o IRA. Talvez a
tragédia do Holocausto implique uma apólice de eterna impunidade? Ou essa luz
verde vem da potência 'manda chuva' que tem em Israel o mais incondicional dos
seus vassalos? O exército israelita, o mais moderno e sofisticado do mundo,
sabe quem mata. Não mata por erro. Mata por horror. As vítimas civis chamam-se
danos colaterais, segundo o dicionário de outras guerras imperiais.
Em Gaza, de cada
dez danos colaterais, três são meninos. E somam milhares os mutilados, vítimas
da tecnologia do esquartejamento humano, que a indústria militar está a ensaiar
com êxito nesta operação de limpeza étnica. E como sempre, sempre o mesmo: em Gaza,
cem a um. Por cada cem palestinianos mortos, um israelita. Gente perigosa,
adverte o outro bombardeamento, a cargo dos meios massivos de manipulação, que
nos convidam a achar que uma vida israelita vale tanto como cem vidas
palestinianas. E esses meios também nos convidam a achar que são humanitárias
as duzentas bombas atómicas de Israel, e que uma potência nuclear chamada Irão
foi a que aniquilou Hiroshima e Nagasaki.
A chamada
comunidade internacional, existe? É algo mais que um clube de mercadores, banqueiros
e guerreiros? É algo mais que o nome artístico que os Estados Unidos assumem
quando fazem teatro? Ante a tragédia de Gaza, a hipocrisia mundial destaca-se
uma vez mais. Como sempre, a indiferença, os discursos vazios, as declarações
ocas, as declamações altissonantes, as posturas ambíguas, rendem tributo à
sagrada impunidade. Ante a tragédia de Gaza, os países árabes lavam as mãos.
Como sempre. E como sempre, os países europeus esfregam as mãos.
A velha Europa, tão
capaz de beleza e de perversidade, derrama uma ou outra lágrima enquanto
secretamente celebra esta jogada de mestre. Porque a caça aos judeus foi sempre
um costume europeu, mas desde há meio século essa dívida histórica está a ser
cobrada aos palestinianos, que também são semitas e que nunca foram, nem são,
antissemitas. Eles estão a pagar, em sangue, na pele, uma conta alheia.
“Este artigo é dedicado aos meus amigos judeus assassinados pelas ditaduras latino americanas que Israel assessorou”
(Fonte: http://www.esquerda.net,
Tradução de Mariana Carneiro)
* Eduardo Galeano é um renomado escritor uruguaio,
historiador, literário e autor de obras como “As Veias Abertas da América
Latina” e da trilogia “Memória do Fogo”.
Infelizmente este historiador vive um conto de fadas, e não conhece nada sobre o assunto.
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