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segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

A Revolta da Chibata





Você sabe quem foi o Marinheiro João Cândido
(o “Almirante Negro”)?


João Cândido Felisberto, Filho dos ex-escravos João Felisberto e Inácia Cândido Felisberto, nasceu em 24 de junho de 1880, em Rio Pardo, interior do Rio Grande do Sul, foi um militar brasileiro da Marinha de Guerra do Brasil, líder da Revolta da Chibata (1910), atuação que lhes rendera o “título” popular de "Almirante negro".
Aos dez anos João Cândido muda-se para Porto Alegre aos cuidados do almirante Alexandrino de Alencar, amigo da família do patrão de seu pai. Em 1894, com apenas treze anos de idade, apresentou-se na Companhia de Artífices Militares e Menores Aprendizes no Arsenal de Guerra de Porto Alegre, conseguindo, no ano seguinte, ingressaria como “grumete” na Marinha do Brasil, pelas mãos do próprio almirante Alexandrino, uma transferência para a Escola de Aprendizes Marinheiros de Porto Alegre e depois para a Marinha do Brasil, no Rio de Janeiro, capital Federal. A marinha, na época, era destino de jovens excluídos e marginais da sociedade, negros em maioria. Era muito comum os rapazes chegarem à marinha indicados pela polícia.
O marinheiro João Cândido, ao longo dos 15 anos em que esteve na ativa na Marinha de Guerra (17 anos, se contar os 2 anos de prisão, após a Revolta), teve uma carreira marcada por viagens pelo Brasil e por vários países do mundo, no começo recebendo instrução, e depois dando instrução sobre manobras navais de guerra e instruindo marinheiros mais novos e oficiais recém-chegados à Marinha.
A partir de 1908, centenas de marinheiros, dentre eles João Cândido, no ano seguinte, foram enviados à Grã-Bretanha para acompanhar o final da construção de navios de guerra encomendados pelo governo brasileiro, os encouraçados Minas Gerais e São Paulo, e do cruzador Bahia. O contato cotidiano com os colegas marujos ingleses deixava evidente a diferença entre o tratamento dependido por parte de seus respectivos oficiais aos marinheiros ingleses e brasileiros, cujos maus tatos sofridos por estes eram considerados degradantes e inaceitáveis per aqueles.
Por outro lado, os marinheiros brasileiros voltaram do Velho Mundo influenciados pela Revolta do Encouraçado Potemkin na Armada Imperial Russa (que anos depois,em 1925, viraria filme do diretor Sergei Einsenstein), onde os marinheiros assumiram o comando do navio de guerra reivindicando melhores condições de trabalho e alimentação, movimento, anda recente, ocorrido em 1905.
Enquanto isso, na Marinha brasileira os castigos físicos, que haviam sido abolidos um dia após a Proclamação da República (1889), mas restabelecidos no ano seguinte (1890), continuavam a ser aplicado pelos oficiais da Marinha de Guerra amparados por um decreto nunca publicado no Diário Oficial que estabelecia:
"Para as faltas leves, prisão a ferro na solitária, por um a cinco dias, a pão e água; faltas leves repetidas, idem, por seis dias, no mínimo; faltas graves, vinte e cinco chibatadas, no mínimo."
Entre os marinheiros, composto por um contingente em sua maioria (90%) de negros e mulatos, crescia o clima de tensão e insatisfação com os baixos soldos, com a má alimentação e, principalmente, com os degradantes castigos corporais, onde centenas de marujos continuavam a ter seus corpos retalhados pela chibata a mando de oficiais brancos, como no tempo da escravidão abolida no país desde 1888.
Ainda na Grã-Bretanha, e depois, ao retornarem ao Brasil, os marinheiros que lá estiveram, iniciaram um movimento conspiratório com vistas a tomar uma atitude mais efetiva no sentido de acabar com a Chibata na Marinha de Guerra do Brasil.
No dia 21 de Novembro, há menos de uma semana da posse do marechal Hermes da Fonseca, o marinheiro Marcelino Rodrigues de Menezes, do Encouraçado Minas Gerais, precipitou o início da revolta. Por ter ferido com uma navalha um cabo o marinheiro foi punido, não com as regulares vinte e cinco, mas com duzentas e cinquenta chibatadas, aplicadas na presença de toda à tripulação do Encouraçado Minas Gerais, nau capitânia da nova Esquadra, ao som de tambores, não se interrompendo mesmo com o desmaio do marinheiro, conforme noticiado pelos jornais da época.
O exagero dessa punição, considerada desumana, provocou uma indignação na tripulação e, logo o comitês revolucionários decidiram que a tomada dos navios ocorreria na noite do dia 22 de novembro de 1910, antecipando a data programada para o levante, marcada para o dia 25.
Mas, o pensamento do movimento não era matar oficiais, mas rendê-los enquanto estivessem dormindo, ação que ocorreria na ausência do comandante do navio Minas Gerais, o Capitão João Batista das Neves, ai então os marujos tomariam posse das armas, dominariam os oficiais em seus camarotes, teriam o controle do navio mãe, daria um sinal para propagação de revolta aos demais da Bahia da Guanabara.
Entretanto, o comandante Batista das Neves voltou mais cedo que o esperado, por isso um dos marinheiros partiu para cima do oficial de serviço, pois não queria mais o adiamento da revolta, ação cuja resistência do mesmo culmina com sua morte com um tiro na cabeça. Durante os combates são mortos no Minas Gerais, o comandante e mais dois oficiais, além de 3 marinheiros noutras embarcações, sendo: um oficial no navio Bahia e mais um oficial e um marinheiro no navio São Paulo.
Até então, o comando da revolta ficara por conta do marinheiro Vitalino José Ferreira, mas os marujos precisavam de um comandante-em-chefe com bom trânsito entre os marinheiros e os oficiais, disciplinado e que poderia encaminhar os passos seguintes da revolta, conforme o planejado. No dia 22 de novembro de 1910, terminados os combates, diante da gravidade da situação com morte do comandante e de outros oficiais, foi feita uma assembleia no próprio navio, o encouraçado Minas Gerais, onde na ocasião o marinheiro João Cândido Felisberto fora escolhido comandante geral de toda a esquadra revoltada.  
Um sinal de canhão informava a todos que o encouraçado Minas Gerais estava sob o controle dos marinheiros, dai então mais seis navios de guerra aderiram ao levante: os encouraçados São Paulo (o segundo maior navio da Armada à época) e Deodoro, o cruzador Bahia, e mais quatro embarcações menores ancoradas na baía no decorrer da noite. No final, João Cândido preferiu reunir todos os marinheiros, envolveu 2.379 homens, em apenas quatro navios de guerra: Minas Gerais, São Paulo, Bahia e Deodoro.
Ao assumir o comando geral de toda a esquadra rebelde, João Cândido controla o motim, faz cessar as mortes, e envia radiogramas pleiteando a abolição dos castigos corporais na Marinha de Guerra brasileira, ficando por isso conhecido à época, pela imprensa, como Almirante Negro.
Na manhã seguinte, de (23 de novembro), foi emitido um ultimato ao governo  brasileiro, nestes termos: "Não queremos a volta da chibata. Isso pedimos ao presidente da República e ao ministro da Marinha. Queremos a resposta já e já. Caso não a tenhamos, bombardearemos as cidades e os navios que não se revoltarem." Noutro, dirigido ao Presidente Hermes da Fonseca, os revoltosos declararam: "Nós, marinheiros, cidadãos brasileiros e republicanos, não podemos mais suportar a escravidão na Marinha brasileira".

O governo respondeu inicialmente por meios telegráficos advertindo que não negociaria com os revoltosos, pois a subversão da hierarquia militar é um das mais graves infrações das Forças Armadas. Daí o Almirante Negro, João Cândido, numa demonstração de força, ordenou tiros de canhão sobre o Palácio do Catete, sede do Poder Executivo, e sobre a Câmara dos Deputados. Depois, para demonstrar que não estava blefando, posicionou a esquadra fora da baía da Guanabara e do alcance do fogo das fortalezas da barra, mas a uma distância suficiente para atacar e destruir a cidade se fosse necessário.
Surpreendido e sem capacidade de resposta, o governo, o Congresso e a Marinha divergiam quanto à resposta. A população da Capital permanecera apreensiva em estado de alerta e parte dela refugiara-se longe da costa enquanto outros curiosos se dirigiram em direção à orla afim e assistir ao bombardeamento ameaçado pelos marinheiros.
Após quatro dias de enorme tensão na Capital Federal, com embarcações de guerra da esquadra rebelde apontando seus canhões para a Capital Federal, em 26 de novembro, a Revolta chegou ao fim com o compromisso do governo federal de aceitar as reivindicações dos amotinados, abolindo os castigos físicos e anistiando os revoltosos que, em troca, depuseram as armas e as embarcações.

Entretanto, no dia seguinte (28) ao desarmamento dos navios rebelados, numa atitude de covardia e quebra declarada de compromisso, o governo brasileiro, como represália, promulgou um decreto permitindo a expulsão de marinheiros que representassem risco, o que caracterizava uma nítida quebra de palavra, uma traição ao acordo que culminara com a lei de anistia, aprovada no dia 25 pelo Senado da República, sancionada pelo presidente Hermes da Fonseca, conforme publicação no diário oficial de 26 de Novembro, dando início a um cruel processo de perseguição aos marinheiros. Vinte e dois marujos foram presos na Ilha das Cobras, sede dos Fuzileiros Navais, enquanto João Cândido seguiu trabalhando como marinheiro no Minas Geraes.
Com a quebra da anistia a capital da república seria tomada por uma onda de boatos de toda sorte. Uns diziam que o Exército iria se vingar dos marinheiros, enquanto oficiais da Marinha e setores da imprensa acusavam o governo de ter sido humilhado pelos marinheiros.
Não tardaria e logo ocorreria a eclosão de um novo motim dentro da Marinha, dessa vez no quartel da ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, em 9 de Dezembro de 1910. Não tinha ligação com a Revolta da Chibata, exceto que ali na Ilha estavam algumas dezenas de marinheiros participantes da revolta presos, apesar de anistiados. A rebelião é contida e os revoltosos amotinados são massacrados em menos de 24 horas pelas Marinha.
Vale salientar que João Cândido e alguns líderes da revolta de novembro posicionara-se contra o motim, julgando que este poderia enfraquecer a causa. Porém, apesar disso, João Cândido foi preso ao desembarcar do Minas Gerais, sob a alegação de ter desobedecido ordens superiores. Novas levas de prisões de marinheiros superlotaram os presídios. O Almirante Negro foi então transferido ao lado de outros dezessete marujos para a Ilha das Cobras, onde todos foram trancados em uma solitária, no dia 24 de dezembro. No dia 26, ao abrir a cela, o oficial deparou-se com 16 dos presos mortos por asfixia, em razão da cal, usada para “desinfetar” a solitária, ter penetrado no pulmão dos presos. Apenas João Cândido e o soldado naval João Avelino sobreviveram. O fato ficou marcado tragicamente na memória do Almirante Negro.
Em 18 de abril de 1911, João foi transferido para o Hospital dos Alienados, sob o rótulo de doente mental. Ali, ele permaneceu durante dois meses conseguindo passar relativamente bem, fazendo amizade com alguns enfermeiros e conseguindo, inclusive, que fizessem vista grossa para alguns passeios pela cidade. Na época, o diretor do hospital era o renomado médico Juliano Moreira. Ao final de dois meses, sem justificativa plausível para sua permanência no hospital, Cândido foi levado de volta ao presídio na Ilha das Cobras.
Finalmente, após dezoito meses de prisão, João Cândido e os marujos seus companheiros foram levados ao Conselho de Guerra para serem julgados. No julgamento, são defendidos por advogados contratados pela Irmandade da Igreja Nossa Senhora do Rosário, que nada cobram por seus serviços. Na madrugada do dia primeiro de dezembro de 1912 são absolvidos, mas excluídos da Marinha pelo Conselho de Guerra.
Ao sair da prisão, João Cândido encontrou-se sem dinheiro, abatido, com 32 anos e apenas a roupa do corpo. Após um curto tempo procurando emprego, foi acolhido pelo carpinteiro Freitas, que lhe ofereceu abrigo. Logo, passou a namorar Marieta, uma das filhas do carpinteiro, e tornou-se conhecido das pessoas do bairro, que ficavam animadas em ouvir as histórias da Revolta.
No dia 06 de dezembro de 1969, aos 89 anos, João Cândido morreu vitima de um câncer no intestino. Nos anos finais de sua vida o Almirante Negro recebeu pensão da prefeitura da sua cidade natal, Rio Pardo. No começo da década de 70, uma das mais belas canções da música popular brasileira “O mestre sala dos mares” - em homenagem a João Cândido e a Revolta da Chibata - é lançada na voz de Elis Regina, após a letra da canção de Aldir Blanc e João Bosco ter ficado por alguns anos presa à censura pelo fato de exaltar a raça negra.

Fonte:

http://www.museuafrobrasil.org.br, este publicado em 17/10/2014.

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