Você sabe quem foi
o Marinheiro João Cândido
(o “Almirante
Negro”)?
João
Cândido Felisberto, Filho dos ex-escravos João Felisberto e Inácia Cândido
Felisberto, nasceu em 24 de junho de 1880, em Rio Pardo, interior do Rio Grande
do Sul, foi um militar brasileiro da Marinha de Guerra do Brasil, líder da
Revolta da Chibata (1910), atuação que lhes rendera o “título” popular de "Almirante negro".
Aos
dez anos João Cândido muda-se para Porto Alegre aos cuidados do almirante
Alexandrino de Alencar, amigo da família do patrão de seu pai. Em 1894, com
apenas treze anos de idade, apresentou-se na Companhia de Artífices Militares e
Menores Aprendizes no Arsenal de Guerra de Porto Alegre, conseguindo, no ano
seguinte, ingressaria como “grumete” na Marinha do Brasil, pelas mãos do
próprio almirante Alexandrino, uma transferência para a Escola de Aprendizes
Marinheiros de Porto Alegre e depois para a Marinha do Brasil, no Rio de
Janeiro, capital Federal. A marinha, na época, era destino de
jovens excluídos e marginais da sociedade, negros em maioria. Era muito comum
os rapazes chegarem à marinha indicados pela polícia.
O
marinheiro João Cândido, ao longo dos 15 anos em que esteve na ativa na Marinha
de Guerra (17 anos, se contar os 2 anos de prisão, após a Revolta), teve uma
carreira marcada por viagens pelo Brasil e por vários países do mundo, no
começo recebendo instrução, e depois dando instrução sobre manobras navais de
guerra e instruindo marinheiros mais novos e oficiais recém-chegados à Marinha.
A
partir de 1908, centenas de marinheiros, dentre eles João Cândido, no ano
seguinte, foram enviados à Grã-Bretanha para acompanhar o final da construção
de navios de guerra encomendados pelo governo brasileiro, os encouraçados Minas
Gerais e São Paulo, e do cruzador Bahia. O contato cotidiano com os colegas marujos
ingleses deixava evidente a diferença entre o tratamento dependido por parte de
seus respectivos oficiais aos marinheiros ingleses e brasileiros, cujos maus
tatos sofridos por estes eram considerados degradantes e inaceitáveis per
aqueles.
Por
outro lado, os marinheiros brasileiros voltaram do Velho Mundo influenciados pela
Revolta do Encouraçado Potemkin na Armada Imperial Russa (que anos depois,em
1925, viraria filme do diretor Sergei Einsenstein), onde os marinheiros
assumiram o comando do navio de guerra reivindicando melhores condições de
trabalho e alimentação, movimento, anda recente, ocorrido em 1905.
Enquanto
isso, na Marinha brasileira os castigos físicos, que haviam sido abolidos um
dia após a Proclamação da República (1889), mas restabelecidos no ano seguinte
(1890), continuavam
a ser aplicado pelos oficiais da Marinha de Guerra amparados por um decreto
nunca publicado no Diário Oficial que estabelecia:
"Para as faltas leves, prisão a
ferro na solitária, por um a cinco dias, a pão e água; faltas leves repetidas,
idem, por seis dias, no mínimo; faltas graves, vinte e cinco chibatadas, no
mínimo."
Entre
os marinheiros, composto por um contingente em sua maioria (90%) de negros e
mulatos, crescia o clima de tensão e insatisfação com os baixos soldos, com a
má alimentação e, principalmente, com os degradantes castigos corporais, onde centenas
de marujos continuavam a ter seus corpos retalhados pela chibata a mando de
oficiais brancos, como no tempo da escravidão abolida no país desde 1888.
Ainda
na Grã-Bretanha, e depois, ao retornarem ao Brasil, os marinheiros que lá
estiveram, iniciaram um movimento conspiratório com vistas a tomar uma atitude
mais efetiva no sentido de acabar com a Chibata na Marinha de Guerra do Brasil.
No
dia 21 de Novembro, há menos de uma semana da posse do marechal Hermes da
Fonseca, o marinheiro Marcelino Rodrigues de Menezes, do Encouraçado Minas
Gerais, precipitou o início da revolta. Por ter ferido com uma navalha um cabo
o marinheiro foi punido, não com as regulares vinte e cinco, mas com duzentas e
cinquenta chibatadas, aplicadas na presença de toda à tripulação do Encouraçado
Minas Gerais, nau capitânia da nova Esquadra, ao som de tambores, não se
interrompendo mesmo com o desmaio do marinheiro, conforme noticiado pelos
jornais da época.
O
exagero dessa punição, considerada desumana, provocou uma indignação na tripulação
e, logo o comitês revolucionários decidiram que a tomada dos navios ocorreria na
noite do dia 22 de novembro de 1910, antecipando
a data programada para o levante, marcada para o dia 25.
Mas,
o pensamento do movimento não era matar oficiais, mas rendê-los enquanto
estivessem dormindo, ação que ocorreria na ausência do comandante do navio
Minas Gerais, o Capitão João Batista das Neves, ai então os marujos tomariam
posse das armas, dominariam os oficiais em seus camarotes, teriam o controle do
navio mãe, daria um sinal para propagação de revolta aos demais da Bahia da
Guanabara.
Entretanto,
o comandante Batista das Neves voltou mais cedo que o esperado, por isso um dos
marinheiros partiu para cima do oficial de serviço, pois não queria mais o
adiamento da revolta, ação cuja resistência do mesmo culmina com sua morte com
um tiro na cabeça. Durante os combates são mortos no Minas Gerais, o comandante
e mais dois oficiais, além de 3 marinheiros noutras embarcações, sendo: um
oficial no navio Bahia e mais um oficial e um marinheiro no navio São Paulo.
Até então, o comando da revolta ficara por conta do marinheiro Vitalino José Ferreira,
mas os marujos precisavam de um comandante-em-chefe com bom trânsito entre os
marinheiros e os oficiais, disciplinado e que poderia encaminhar os passos
seguintes da revolta, conforme o planejado. No dia 22 de novembro de 1910,
terminados os combates, diante da gravidade da situação com morte do comandante
e de outros oficiais, foi feita uma assembleia no próprio navio, o
encouraçado Minas Gerais, onde na ocasião o marinheiro João Cândido Felisberto fora
escolhido comandante geral de toda a esquadra revoltada.
Um
sinal de canhão informava a todos que o encouraçado Minas Gerais estava sob o
controle dos marinheiros, dai então mais seis navios de guerra aderiram ao
levante: os encouraçados São Paulo (o segundo maior navio da Armada à época) e
Deodoro, o cruzador Bahia, e mais quatro embarcações menores ancoradas na baía
no decorrer da noite. No final, João Cândido preferiu reunir todos os
marinheiros, envolveu 2.379 homens, em apenas quatro navios de guerra: Minas
Gerais, São Paulo, Bahia e Deodoro.
Ao
assumir o comando geral de toda a esquadra rebelde, João Cândido controla o
motim, faz cessar as mortes, e envia radiogramas pleiteando a abolição dos
castigos corporais na Marinha de Guerra brasileira, ficando por isso conhecido
à época, pela imprensa, como Almirante
Negro.
Na
manhã seguinte, de (23 de novembro), foi emitido um ultimato ao governo brasileiro, nestes termos: "Não
queremos a volta da chibata. Isso pedimos ao presidente da República e ao
ministro da Marinha. Queremos a resposta já e já. Caso não a tenhamos,
bombardearemos as cidades e os navios que não se revoltarem." Noutro, dirigido ao Presidente Hermes
da Fonseca, os revoltosos declararam: "Nós, marinheiros, cidadãos brasileiros
e republicanos, não podemos mais suportar a escravidão na Marinha
brasileira".
O
governo respondeu inicialmente por meios telegráficos advertindo que não
negociaria com os revoltosos, pois a subversão da hierarquia militar é um das mais
graves infrações das Forças Armadas. Daí o Almirante Negro, João Cândido, numa
demonstração de força, ordenou tiros de canhão sobre o Palácio do Catete, sede
do Poder Executivo, e sobre a Câmara dos Deputados. Depois, para demonstrar que
não estava blefando, posicionou a esquadra fora da baía da Guanabara e do
alcance do fogo das fortalezas da barra, mas a uma distância suficiente para
atacar e destruir a cidade se fosse necessário.
Surpreendido
e sem capacidade de resposta, o governo, o Congresso e a Marinha divergiam
quanto à resposta. A população da Capital permanecera apreensiva em estado de
alerta e parte dela refugiara-se longe da costa enquanto outros curiosos se
dirigiram em direção à orla afim e assistir ao bombardeamento ameaçado pelos
marinheiros.
Após quatro dias de enorme tensão na
Capital Federal, com embarcações de guerra da esquadra rebelde apontando seus canhões
para a Capital Federal, em 26 de novembro, a Revolta chegou ao fim
com o compromisso do governo federal de aceitar as reivindicações dos
amotinados, abolindo os castigos físicos e anistiando os revoltosos que, em
troca, depuseram as armas e as embarcações.
Entretanto,
no dia seguinte (28) ao desarmamento dos navios rebelados, numa atitude de
covardia e quebra declarada de compromisso, o governo brasileiro, como
represália, promulgou um decreto permitindo a expulsão de marinheiros que
representassem risco, o que caracterizava uma nítida quebra de palavra, uma
traição ao acordo que culminara com a lei de anistia, aprovada no dia 25 pelo
Senado da República, sancionada pelo presidente Hermes da Fonseca, conforme
publicação no diário oficial de 26 de Novembro, dando início a um cruel
processo de perseguição aos marinheiros. Vinte e dois marujos foram presos na
Ilha das Cobras, sede dos Fuzileiros Navais, enquanto João Cândido seguiu
trabalhando como marinheiro no Minas Geraes.
Com
a quebra da anistia a capital da república seria tomada por uma onda de boatos de
toda sorte. Uns diziam que o Exército iria se vingar dos marinheiros, enquanto
oficiais da Marinha e setores da imprensa acusavam o governo de ter sido
humilhado pelos marinheiros.
Não
tardaria e logo ocorreria a eclosão de um novo motim dentro da Marinha, dessa
vez no quartel da ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, em 9 de Dezembro de 1910.
Não tinha ligação com a Revolta da Chibata, exceto que ali na Ilha estavam
algumas dezenas de marinheiros participantes da revolta presos, apesar de
anistiados. A rebelião é contida e os revoltosos amotinados são massacrados em
menos de 24 horas pelas Marinha.
Vale
salientar que João Cândido e alguns líderes da revolta de novembro posicionara-se
contra o motim, julgando que este poderia enfraquecer a causa. Porém, apesar disso,
João Cândido foi preso ao desembarcar do Minas Gerais, sob a alegação de ter
desobedecido ordens superiores. Novas levas de prisões de marinheiros
superlotaram os presídios. O Almirante Negro foi então transferido ao lado de
outros dezessete marujos para a Ilha das Cobras, onde todos foram trancados em
uma solitária, no dia 24 de dezembro. No dia 26, ao abrir a cela, o oficial
deparou-se com 16 dos presos mortos por asfixia, em razão da cal, usada para “desinfetar”
a solitária, ter penetrado no pulmão dos presos. Apenas João Cândido e o
soldado naval João Avelino sobreviveram. O fato ficou marcado tragicamente na
memória do Almirante Negro.
Em
18 de abril de 1911, João foi transferido para o Hospital dos Alienados, sob o
rótulo de doente mental. Ali, ele permaneceu durante dois meses conseguindo
passar relativamente bem, fazendo amizade com alguns enfermeiros e conseguindo,
inclusive, que fizessem vista grossa para alguns passeios pela cidade. Na
época, o diretor do hospital era o renomado médico Juliano Moreira. Ao final de
dois meses, sem justificativa plausível para sua permanência no hospital,
Cândido foi levado de volta ao presídio na Ilha das Cobras.
Finalmente,
após dezoito meses de prisão, João Cândido e os marujos seus companheiros foram
levados ao Conselho de Guerra para serem julgados. No julgamento, são
defendidos por advogados contratados pela Irmandade da Igreja Nossa Senhora do
Rosário, que nada cobram por seus serviços. Na madrugada do dia primeiro de
dezembro de 1912 são absolvidos, mas excluídos da Marinha pelo Conselho de
Guerra.
Ao
sair da prisão, João Cândido encontrou-se sem dinheiro, abatido, com 32 anos e
apenas a roupa do corpo. Após um curto tempo procurando emprego, foi acolhido
pelo carpinteiro Freitas, que lhe ofereceu abrigo. Logo, passou a namorar
Marieta, uma das filhas do carpinteiro, e tornou-se conhecido das pessoas do bairro,
que ficavam animadas em ouvir as histórias da Revolta.
No
dia 06 de dezembro de 1969, aos 89 anos, João Cândido morreu vitima de um
câncer no intestino. Nos anos finais de sua vida o Almirante Negro recebeu
pensão da prefeitura da sua cidade natal, Rio Pardo. No começo da década de 70,
uma das mais belas canções da música popular brasileira “O mestre sala dos
mares” - em homenagem a João Cândido e a Revolta da Chibata - é lançada na voz
de Elis Regina, após a letra da canção de Aldir Blanc e João Bosco ter ficado
por alguns anos presa à censura pelo fato de exaltar a raça negra.
Fonte:
http://www.museuafrobrasil.org.br,
este publicado em 17/10/2014.
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