Como a Ditadura
matou Emmanuel Bezerra
“Meus
soldados não se rendem… O grande dia chegará”
Na praia de
Caiçara, município de São Bento do Norte (RN), dia 17 de junho de 1943, nasceu
Emmanuel Bezerra dos Santos, filho do pescador Luís Elias dos Santos e Joana
Elias Bezerra. Líder estudantil no Colégio Atheneu e na Fundação José Augusto,
onde cursou Sociologia, foi também presidente da Casa dos Estudantes de Natal,
onde moravam os estudantes pobres do interior que iam tentar a continuidade dos
estudos. Teve presença marcante não apenas pela militância política. Atuou na
vanguarda dos movimentos culturais natalenses como poeta, crítico literário e
organizador de grupos e associações.
Emmanuel organizou
a bancada potiguar ao histórico congresso da UNE de 1968, em Ibiúna (SP). Nesse
congresso foi preso e teve seus direitos estudantis e políticos cassados com
base no famigerado decreto nº 477, da ditadura militar, que proibia aos
estudantes o exercício de atividades políticas nas escolas e universidades. A
prisão de seis meses não enfraqueceu o jovem líder, que manteve elevados o
ânimo e a certeza na mudança da sociedade (abaixo, poesia de sua autoria,
escrita no cárcere).
Ao sair da prisão,
ingressou no Partido Comunista Revolucionário – PCR. Dirigiu o comitê
universitário, passou a atuar na clandestinidade em Pernambuco e Alagoas, e em
pouco tempo integrou o Comitê Central, dada a sua “dedicação, honestidade,
firmeza ideológica e aprofundamento dos conhecimentos teóricos”.
Unir
os movimentos anti-imperialistas
No início de agosto
de 1973 o PCR enviou-o para Argentina e
Chile, com a missão de contatar revolucionários brasileiros e organizações de
esquerda latino-americanas, com o fim de construir um processo de unificação do
movimento anti-imperialista no continente. Foi preso na fronteira, em meados de
agosto, provavelmente pela Interpol e pela polícia brasileira (na época as
polícias políticas sul-americanas agiam articuladamente, através da Operação
Condor. Nas mãos do DOI/Codi, órgãos da repressão política do Exército, padeceu
violentas torturas, até ser morto. Não deu uma informação, sequer. Coerente com
o lema que defendia, “delação é traição”, morreu como herói do povo para manter
vivo o Partido.
Farsa,
cinismo e covardia
Como costumavam
fazer, os órgãos da repressão montaram uma farsa. Divulgaram nota publicada
pela imprensa burguesa, dizendo que ele morrera num tiroteio com a polícia no
momento em que se encontraria com Manoel Lisboa de Moura em São Paulo. Tudo
mentira. Emmanuel encontrar-se-ia com Manoel Lisboa no Recife, no dia 15 de
setembro, quando estaria chegando da Argentina. Porém Manoel fora preso no dia
16 de agosto, tendo sido também barbaramente torturado e assassinado nos porões
da repressão.
A mentira, como de
praxe, era confirmada pelo falso laudo elaborado pelo já desmascarado
médico-legista Harry Shibata. A transferência do cadáver de Manoel Lisboa para
São Paulo fez parte da montagem da farsa. Quando saiu a notícia plantada pela
polícia política acerca do “tiroteio”, no dia 4 de setembro, os corpos de ambos
já estavam sepultados na “vala comum” do cemitério de Perus, em São Paulo. Isto
é certo, tanto que dona Iracilda Lisboa, mãe de Manoel, foi a São Paulo no
mesmo dia em que foi divulgada a notícia; lá, a polícia política mostrou-lhe
duas covas em outro cemitério, dizendo já ter ocorrido o sepultamento. Só
restou-lhe colocar duas coroas de flores, mesmo desconfiando não se tratar da
sepultura do seu filho e do companheiro e amigo Emmanuel, fato que veio a ser
comprovado posteriormente com a descoberta da vala comum em Perus.
O
povo recuperou seu herói
Os restos mortais
de Emmanuel foram encontrados numa vala comum clandestina no cemitério de Perus
(SP), junto com os de outros militantes de oposição “desaparecidos” durante o
regime militar. Trasladado para o Rio Grande
do Norte recebeu merecidas homenagens: vigília cívica no auditório da Casa dos
Estudantes de Natal, e sepultamento em grande cerimônia cívica, na sua cidade
natal, Caiçara, já emancipada do município de São Bento do Norte.
Às gerações futuras
Eu vos contemplo
Da face oculta das
coisas.
Meus desejos são
inconclusos,
Minhas noites sem
remorsos.
Eu vos contemplo,
Pelas grades insensíveis.
Meu sonho,
É uma grande rosa.
Minha poesia,
Luta.
Eu vos contemplo
Da virtual
extremidade.
Minha vida (pela
vossa).
Meu amor,
Vos liberta.
Eu vos contemplo
Da própria
contingência.
Mas minha força
É imbatível
Porque estais
À espera.
Eu vos contemplo
Pelo fogo da
batalha.
Meus soldados
Não se rendem.
O grande dia
Chegará.
Eu vos contemplo
Gerações futuras,
Herdeiros da paz e
do trabalho.
As grades esmaecem
Ante meu
contemplar.
Emmanuel Bezerra
dos Santos
(Base Naval de Natal/1968)
(Fonte: http://averdade.org.br, publicado em 2014)
Nenhum comentário:
Postar um comentário