O que está em
jogo na Faixa de Gaza
(Por Marco Aurélio Garcia, Brasília - 24/07/2014)
Esta nota estará
seguramente desatualizada quando for publicada. Mais de setecentos palestinos –
grande parte dos quais mulheres, crianças e anciãos – foram mortos nos
bombardeios das Forças Armadas israelenses na Faixa de Gaza desde que, há duas
semanas, iniciou-se uma nova etapa deste absurdo conflito que se arrasta há
décadas. A invasão do território palestino provocou também mais de 30 mortos
entre os soldados de Israel.
O governo
brasileiro reagiu em dois momentos à crise. Na sua nota de 17 de julho “condena
o lançamento de foguetes e morteiros de Gaza contra Israel” e, ao mesmo tempo,
deplora “o uso desproporcional da força” por parte de Israel.
Em comunicado de 23
de julho e tendo em vista a intensificação do massacre de civis, o Itamaraty
considerou “inaceitável a escalada da violência entre Israel e Palestina” e,
uma vez mais, condenou o “uso desproporcional da força” na Faixa de Gaza. Na
esteira dessa percepção, o Brasil votou a favor da resolução do Conselho de
Direitos Humanos da ONU (somente os Estados Unidos estiveram contra) que
condena as “graves e sistemáticas violações dos Direitos Humanos e Direitos
Fundamentais oriundas das operações militares israelenses contra o território
Palestino ocupado” e convocou seu embaixador em Tel Aviv para consultas.
A chancelaria de
Israel afirmou que o Brasil “está escolhendo ser parte do problema em vez de
integrar a solução” e, ao mesmo tempo, qualificou nosso país como “anão” ou
“politicamente irrelevante”.
É evidente que o
governo brasileiro não busca a “relevância” que a chancelaria israelense tem
ganhado nos últimos anos. Menos ainda a “relevância” militar que está sendo
exibida vis-à-vis populações indefesas.
Não é muito difícil
entender, igualmente, que está cada dia mais complicado ser “parte da solução”
neste trágico contencioso. Foi o que rapidamente entenderam o secretário de
Estado norte-americano, John Kerry, e o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon,
depois de suas passagens por Tel Aviv, quando tentaram sem êxito pôr o fim às
hostilidades.
Como temos posições
claras sobre a situação do Oriente Médio – reconhecimento do direito de Israel
e Palestina a viverem em paz e segurança – temos sido igualmente claros na
condenação de toda ação terrorista, parta ela de grupos fundamentalistas ou de
organizações estatais.
Estive, mais de uma
vez, em Israel e na Palestina. Observei a implantação de colônias israelenses
em Jerusalém Oriental, condenadas mundialmente, até por aliados incondicionais
do governo de Tel Aviv. Vi a situação de virtual apartheid em que vivem grandes
contingentes de palestinos. Constatei também que são muitos os israelenses que
almejam uma paz duradoura fundada na existência de dois Estados viáveis,
soberanos e seguros.
É amplamente
conhecida a posição que o Brasil teve no momento da fundação do Estado de
Israel. Não pode haver nenhuma dúvida sobre a perenidade desse compromisso.
Temos reiterado que
a irresolução da crise palestina alimenta a instabilidade no Oriente Médio e
leva água ao moinho do fundamentalismo, ameaçando a paz mundial. Não se trata,
assim, de um conflito regional, mas de uma crise de alcance global.
É preocupante que
os acontecimentos atuais na Palestina sirvam de estímulo para intoleráveis
manifestações antissemitas, como têm ocorrido em algumas partes, felizmente não
aqui no Brasil.
A criação do Estado
de Israel, nos anos quarenta, após a tragédia do Holocausto, foi uma ação
afirmativa da comunidade internacional para reparar minimamente o horror
provocado pelo nazi-fascismo contra judeus, ciganos, homossexuais, comunistas e
socialdemocratas. Mas o fantasma do
ressurgimento ou da persistência do antissemitismo não pode ser um álibi que
justifique o massacre atual na Faixa de Gaza.
O Brasil e o mundo
têm uma dívida enorme para com as comunidades judaicas que iluminaram as artes,
a ciência e a política e fazem parte da construção da Nação brasileira. Foi esse sentimento que Lula expressou em seu
discurso, anos atrás, na Knesset, quando evocou, por exemplo, o papel de um
Carlos e de um Moacir Scliar ou de uma Clarice Lispector para a cultura
brasileira. A lista é interminável e a ela se juntam lutadores sociais como
Jacob Gorender, Salomão Malina, Chael Charles Schraier, Iara Iavelberg, Ana
Rosa Kucinski e tantos outros.
Nunca os
esqueceremos.
(*) Marco Aurélio
Garcia é assessor especial da Presidência da República para Assuntos
Internacionais
(Fonte: http://operamundi.uol.com.br)
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