Derrocada da Seleção exige autocrítica e mudanças profundas
A Seleção brasileira de futebol sofreu na
última terça-feira (8) uma contundente derrota perante a Alemanha. Uma inédita
goleada pelo incomum placar de sete a um traumatizou não somente os torcedores
do esporte mais popular do País, mas também fez sofrer todo o povo brasileiro,
que nutria a expectativa de conquistar o hexacampeonato e levantar a taça
daquela que ficou conhecida e já entrou para a história como a Copa das copas,
disputada nas canchas nacionais depois de 64 anos.
Por Copa das copas entenda-se um excelente
nível técnico geral demonstrado nos gramados no conjunto da competição, as boas
condições oferecidas pelo Brasil, a hospitalidade de nossa gente, o normal
funcionamento dos serviços públicos, a adequada infraestrutura, a capacidade
gerencial do governo, nomeadamente do Ministério do Esporte, destacando a
sempre lúcida e eficiente figura do ministro Aldo Rebelo. Ressalte-se ainda o
apoio político, administrativo e moral da presidenta Dilma à organização do
certame, sem o que o evento não teria alcançado o êxito que alcançou.
A derrota da Seleção brasileira de futebol
perante a Alemanha, com a consequente eliminação da final da Copa do Mundo,
certamente não deve ser considerada uma tragédia nacional, nem ensejar ilações
sobre a influência disto no desenvolvimento da vida política e social do País,
especificamente sobre o desenrolar da disputa eleitoral. Igualmente, teria sido
um exagero e uma falsa extrapolação considerar a eventual conquista do
hexacampeonato como o maior exemplo de afirmação do País perante si mesmo e o
mundo.
Mas, tomando em consideração a importância
que tem o futebol para o povo brasileiro, a dimensão que o esporte adquiriu na
vida nacional, o contexto sociopolítico e a atmosfera conflituosa em que o
campeonato foi realizado no Brasil, a aniquilação da Seleção e sua
desqualificação do maior torneio mundial de futebol é fato que requer reflexão,
a necessária retirada de ensinamentos e – mais importante do que tudo – a
tomada de medidas para empreender mudanças, uma reforma estrutural no Futebol
brasileiro. Não pode ser encarada com platitudes do tipo “o futebol é uma caixa
de surpresas”, na infeliz declaração de Pelé, que mais uma vez revela ser, para
além de “rei do futebol”, o soberano do lugar comum.
O Brasil tem uma história de glórias no
futebol – é o maior campeão, suas várzeas e rachões fizeram surgir os melhores
craques de todos os tempos, seus times estão entre os mais populares. Glórias
entremeadas também por fracassos. Já vivemos a tristeza imensa do Maracanazo,
em 1950, a derrota de Sarriá, em 1982, e a de Saint Dennis, em 1998. Nunca
imaginávamos, porém, assistir a uma derrocada tão acachapante e vergonhosa como
aconteceu no Mineirão nesta terça-feira. A Seleção sofreu nesta Copa, que
sediou com tanto brilhantismo, a pior derrota em sua história centenária. Foi a
maior goleada sofrida pelo futebol brasileiro em 84 anos de participações em
copas do mundo.
Malgrado ter chegado às semifinais e de estar
entre os primeiros quatro postos do torneio que se encerra neste domingo (13),
o conjunto do desempenho brasileiro no certame é também um dos mais sofríveis.
A performance do time de Felipão, desde o primeiro jogo contra a Croácia até a
derrota perante a Alemanha, foi abaixo do sofrível. Ressalvados alguns momentos
da partida contra a Colômbia, nas quartas de final, a Seleção não apresentou,
do ponto de vista técnico e tático, um futebol à altura das tradições nacionais.
Mesmo a decantada “raça” e transbordamento de “patriotismo” – do que se
tornaram símbolo o Hino cantado “à capela” e as lágrimas de alguns simpáticos e
já endinheirados jovens – acabaram revelando-se mais como jogadas de marketing
do que autêntica efusão de alma.
A derrocada perante a Alemanha foi o
corolário do despreparo técnico-tático, da soberba e da imprevidência. Do
começo ao fim. No começo, difundiu-se a ilusão de que o time campeão da Copa
das Confederações estava “pronto” e “fechado” para conquistar o hexacampeonato.
No meio do caminho, convocaram-se, em sua esmagadora maioria (19 de 23)
jogadores que atuavam em clubes estrangeiros num reconhecimento explícito do
esvaziamento das competições nacionais. A identidade do time com a torcida foi
forjada em doses cavalares de publicidade. No fim, esses traços negativos se
revelaram na postura adotada pelo treinador que, tendo feito o “mea culpa” na
derradeira entrevista coletiva chamando para si a responsabilidade, refutou em
seguida todas as justas críticas às opções táticas que fez e ao desempenho do
time, revelando, mesmo que a contragosto, que não havia autocrítica de fato,
que o bater no peito era um mais um gesto de acordo com o roteiro traçado pelos
marqueteiros e anunciantes.
Orientada por interesses outros que não os
ligados à excelência do jogo nos gramados, a Seleção servia para tudo – mimos a
craques transformados em “heróis”, exibição de tatuagens, de cortes e pinturas
de cabelo, de anúncios de bebidas alcoólicas, grifes de vestuário, marcas de
carros e instituições financeiras. Para cúmulo, a Seleção se tornou refém de um
canal de TV, à qual o treinador e os jogadores pagavam vassalagem sob a forma
de entrevistas “exclusivas” a certo “jornal nacional” no “horário nobre da TV”.
O desastre do Mineirão é resultado também da
gestão perigosa, aventureira, desidiosa e corrupta, do Futebol pela CBF,
entidade carcomida, transformada em feudo de dirigentes autoritários,
negocistas e oportunistas, que fazem do esporte meio de enriquecimento próprio
e de determinado veículo de comunicação monopolista e partícipe do botim.
Uma visão crítica aguda sobre os descaminhos
do futebol brasileiro evidenciados na derrocada do Mineirão não autoriza,
contudo, análises estultas, baseadas numa mentalidade de neocolonizados e
vira-latas. Pretende-se associar o fracasso da Seleção ao "jeitinho
brasileiro" à "preguiça" de nossa gente e a outros estereótipos
pejorativos, assim como à “excelência” da gestão, da técnica e da tática
estrangeiras, o que evidencia a atávica sabujice das classes dominantes nativas
e seus porta-vozes na mídia.
O Futebol, tal como outras instituições
nacionais, precisa de uma reforma profunda, que deve resultar da adoção de
múltiplas e variadas medidas organizativas, administrativas, políticas e
educativas, no âmbito geral e, especialmente, na atividade esportiva.
(Fonte: http://vermelho.org.br/editorial, publicado em 9 de Julho de 2014)
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